Com os olhos do coração
“Muito prazer, sou Diese, um cão aposentado. O quê? Nunca ouviu falar em cão aposentado? Pois saiba que eu fiz por merecer esse título, viu? E vou explicar por quê. Hoje eu tenho 11 anos, mas, desde os primeiros meses de minha existência, fui treinado. Não para sentar ou pegar a bolinha apenas. Mas para ser os olhos da minha mãe humana, que não consegue enxergar. Durante boa parte da minha vida, fui eu que a conduzi por caminhos seguros, permitindo que ela tivesse a mesma liberdade de uma pessoa que vê tudo ao seu redor. Sempre estive ao lado da Thays enquanto ela fazia suas atividades normais, como trabalhar e estudar. Por isso, quando completei uma década, ganhei de presente uma vida mais tranquila, com direito a mordomia e várias horinhas de sono. Fui substituído pela Sophie, assim como um dia assumi o lugar do Boris, o primeiro cão-guia da minha mãe. Mas me lembro até hoje de como foi quando eu conheci a Thays. Ela me estranhou no começo, porque eu era um pouco mais introspectivo que o Boris, que cumprimentava todos os colegas da minha mãe na faculdade, um por um. E eu só falo com quem eu conheço bem, caso contrário, prefiro ficar no meu canto. Sempre fui assim. Um momento marcante foi quando, ainda morando nos EUA, onde fui treinado, saí para passear com a Thays pelas ruas de Nova York. Ela tomou um café e caminhou por alguns quarteirões, sem se distanciar muito de casa e dos amigos onde estávamos hospedados e, quando pensou em voltar, lembrou que não tinha endereço. Aí eu já mostrei o quanto eu a amava e que, mesmo pequeno – com pouco mais de um ano -, já sabia qual era a minha missão. Eu a levei para casa sozinho, sem errar uma rua sequer! A partir daquele momento, acho que ela aprendeu a confiar em mim. Desde então, nos tornamos inseparáveis. Hoje, ao vê-la sair com a Sophie, não me entristeço. Sei que ela precisa continuar ajudando muitas pessoas a encontrarem cães-guia como eu, para viverem melhor a vida, mesmo sem enxergar. Enquanto isso, eu apenas relembro nossos bons momentos, que foram vários. E, aliás, contar essa história toda já me deixou com vontade de descansar mais um pouquinho. Agora, vou para a minha cama tirar uma soneca. Foi bom falar com vocês, amigos!”